Infanhar na Praia: emoções além das palavras | Dai Varela

17 de outubro de 2023

Infanhar na Praia: emoções além das palavras

Hoje quero falar das bocas na cidade da Praia. E não estou apenas falando dos belos sorrisos. Nesta ensolarada e vibrante capital de Cabo Verde, um dos detalhes que me fascinam é o papel das expressões faciais na transmissão de emoções. São instrumentos de comunicação. Explico: Quando duas pessoas estão a falar (na maioria das vezes, mulheres) elas costumam acompanhar a fala com um trejeito da boca e também uma interjeição “eihm!” ou “Uhmm”. Muitas das mulheres falam não apenas com palavras, mas com todo o esplendor dos seus lábios naquilo que é conhecido como “infanhar alguém”.

Infanhar na Praia - emoções além das palavras em Cabo Verde


Essa expressão facial serve como vislumbre revelador do estado emocional interno e carrega uma intenção. O “outro” treinado neste ambiente consegue ler e interpretar esses sinais faciais durante a interação. Essa expressão facial nas relações interpessoais quotidianas é complexa pois ela acontece tanto na interação negativa, como na positiva ou na neutral. Esse trejeito da boca pode falar mais alto e claramente do que palavras. Na interação negativa pode significar desprezo, desaprovação ou desagrado, sem a necessidade de proferir uma única palavra. Pode ser uma advertência para recuar por causa da insatisfação provocada. Na positiva pode significar um gozo, uma brincadeira com uma amizade e no neutral, o alvo do trejeito não é nem amigo, nem inimigo, mas o hábito de acompanhar a fala com a expressão facial o faz acontecer.

É uma técnica de ‘esgar expressivo’ que elas elevaram a um nível de arte. Digo elas porque a grande maioria dos infanhadores 😋 na capital são mulheres. É um torcer dos lábios que consegue comunicar uma sintonia de emoções em uma fração de segundo. Uma informação que é passada através de ‘conversas silenciosas’ na qual o movimento das bocas serve como canal de comunicação. Tem aquelas que simplesmente não conseguem falar sem infanhar. Confesso que a princípio era algo que me incomodava.

Com um pouco mais de atenção é possível reconhecer essas nuances sutis e variações de como culturalmente se expressa essas emoções através das nossas faces. Seja no mercado, na rua, nas conversas da mãe com o filho... todos servem para infanhar, caso seja o hábito da pessoa. Neste contexto cultural essa expressão emocional é vista como autenticidade e em alguns momentos mal interpretada. Entender que esta expressão facial é cultural e faz parte de uma linguagem não-verbal ajuda a potencializar a compreensão mútua, resolução de conflitos e construção de relações mais autênticas e compreensivas.

Então, na próxima vez que estiveres a passear pelas ruas da nossa querida capital, reserve um momento para observar este gesto simples, mas significativo de infanhar. Repare no detalhe do desfile de expressões, da dança dos trejeitos que é tão característica da cidade da Praia quanto a sua brisa do mar e seus belos horizontes.

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