- Quantos anos tens? – perguntou-me o porteiro do Hospital.
- Nove anos e meio – respondi-lhe resoluta.
- Nove anos e meio, né? – troçou aquele careca com olhos de peixe morto – então não podes subir porque lá não é lugar de crianças.
- Como assim lá não é lugar de crianças se elas vão lá nascer? – disse-lhe tentando mostrar-lhe a patetice que acabara de dizer.
- Sim… – retorquiu – mas eles não vêm para aqui com seus próprios pés, não é?
- Até que tu não deixas de ter alguma razão, meu grandessíssimo idiota – pensei.
- Aninha, até que enfim! – meu pai quase gritava nervoso enquanto descia as escadas.
- Mas essa é tua filha, Zé? – perguntou o careca apontando para mim.
- Há nove anos e meio – trocei.
- Dá-me essa bolsa porque tua mãe já foi para a sala de parto e ela vai precisar destas coisas.
- E o senhor não foi com ela? – estranhei.
- Eu bem que tentei mas eles não me deixaram – disse chateado.
- Porquê? – quis saber.
- Disseram que não tinham o costume de deixar o pai entrar, por isso eu não podia entrar.
- É o costume – disse o porteiro como se fosse uma fatalidade.
- Mas como é que podem impedir-me de acompanhar o nascimento do meu bebé? – zangou-se o papá. Eu já estive em vários países onde os pais são incentivados a assistirem aos partos. Mas aqui como somos mais espertos… não é?
- Mas Zé, eu não acho que aquilo seja algo que se devia ver – enquanto falava ia olhando de esguelha para mim -, aquilo tudo se rasgando e tudo mais…
- Aí é que você se engana meu amigo – respondeu-lhe meu pai -, todos os homens deveriam ver o sofrimento da mulher ao dar à luz para que pudéssemos valorizar mais as nossas mães de filhos.
- Pois… eu acho que se visse aquilo… - fez uma cara amarga – nunca mais podia estar com uma mulher.
- Agora vai para casa Aninha – pediu-me papai enquanto passava a mão carinhosamente na minha cabeça – porque daqui a pouco já devemos estar em casa.
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