Nascer, Sofrer e Morrer [Cap. 5]

Nesta noite parecia que fazia mais calor do que o costume. Já tinha passado alguns dias desde a última vez que estive com Ivo. Cheguei ao quarto cansada, já com muito sono. Desde que mamãe adoeceu que os trabalhos aumentaram, eu tinha de arrumar a casa, fazer as refeições – quando as havia – cuidar de mamãe, do Nunin, ir lavar as roupas, nem me lembrava quando foi a última vez que fui à escola.
Comecei a tirar as roupas e pouco depois já estava toda nua. Parei um pouco a observar o meu corpo e apesar da pouca luz, notei que havia emagrecido. Enfie-me na cama sentido uma força invisível e gostosa como que puxando-me para baixo. Fiquei imóvel, deleitando-me neste prazer do descanso, depois virei-me para o lado, como que querendo ver meu irmão, antes de dormir, mesmo sabendo que ele não dormia mais comigo. Teve que mudar-se para o quarto de mamãe, para lhe fazer companhia, porque papai saía logo ao entardecer – as vezes até mais cedo – e só voltava a altas horas da noite, bêbado, endividando-se ainda mais.
Papai não é má pessoa. Mas a perda do trabalho, as dificuldades e agora com a repentina doença da mamãe, foi muito duro para ele e para nós. Havia um bom bocado de tempo que mamãe estava acamada, proibida pelo médico de fazer qualquer tipo de esforço – nem que quisesse poderia, responde-lhe mamãe. Mas papai teve uma atitude muita estranha em relação a esta situação. Pouco falava com ela e só quando estava muito fusco é que dormia com ela. Talvez por sentir-se impotente e sem meios para a ajudar, ou talvez por sentir-se culpado pelo estado em que ela se encontrava, mas a verdade é que percebi que ele tentava não olhar nos olhos de mamãe.
Já nada tinha daquele homem carinhoso, amigo. Do pai falador e brincalhão, eu só tinha recordações. Ás vezes ele ficava num canto, calado, com a cara fechada, que nunca sabia se amuado ou preocupado. Nunin era o único que ainda conseguia arrancar-lhe um sorriso fugidio. Ouvi qualquer coisa, como que uma chave rodando na fechadura da porta da frente.


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