Nascer, Sofrer e Morrer [Cap. 4] | Dai Varela

22 de agosto de 2010

Nascer, Sofrer e Morrer [Cap. 4]


Achei melhor passar antes na casa da minha amiga Carla para lavar os pés e tirar a salitra antes de chegar em casa. Não queria que papai soubesse que fui para o mar em vez de lavar-lhe as calças como tinha-me dito.
– Então Dôdô, apanhaste muitas lagostas? – Carla foi-me logo perguntando sem parar de dar de comer ao bebé.
– Apanhei sim, e um bem grande. Mas não foi por causa desses óculos – respondi.
– Então foi por causa de bô mei d’perna – e desatou a rir. É, Carla gosta de uma boa gargalhada. E de falar sem medir as palavras.
– Como está o teu bebé? – Ah… e também gosta de sexo sem camisinha. Por isso, mesmo sendo somente um ano mais velha do que eu já tem uma filha ao colo.
– Está bem – disse –, uma manhenta da primeira! Ia falando e raspando o fundo do prato de papa para dar ao bebé mais uma colherada. Agora o bebé fica limpo depois de comer mas nem sempre foi assim. Antes ela ficava com restos de papas por todo o corpo porque se debatia e gritava tanto que era uma confusão na hora de comer. Foi uma vitória de insistência e algumas palmadas.
– E tu, já resolveste os três problemas do Ivo? – perguntou-me.
– Quais três problemas? – perguntei intrigada enquanto colocava água na tina para me lavar.
– Oh menininha, os três vinténs, pois é claro! – exclamou ela sem parar de tentar fazer o bebé arrotar – tu não sabes das coisas boas da vida.
– Como é que tu sabes? – discordei.
– Sei, sei. Tanto que sei que ontem eu estava a aproveitando as coisas boas da vida.
– Como assim? – parei intrigada com as mãos em concha cheia de água a meio caminho do rosto. Eu já sabia que para ela as coisas boas da vida se resumiam ao sexo, mas mesmo assim arrisquei: – Mas se o teu pai de filho não está em São Vicente…
Quel lá? – ela explodiu – aquele aí só telefona de vez em quando para guardar o seu lugar. Mas o que ele não sabe é que está a dormir petinzim. Ela ria-se enquanto acariciava as costas do bebé que quase acordou.
– Então foi com quem? – quis saber.
– Ontem quando fui buscar água lá no quintal de nhô Morc…
– Não vais me dizer que tiveste coragem de ir para a cama com aquele tio que poderia ser teu avô? – perguntei admirada.
– Ir para a cama? – disse rindo. – Não! Foi logo lá no quintal dele. Eu não me casava de me surpreender com a capacidade dessa minha amiga de meter-se em problemas. Definitivamente ela não tinha nada na cabeça.
– Mas pelo menos usaste camisinha, né? – perguntei por perguntar, pois pelo o que conhecia dela eu já deveria saber a resposta. Quando ela ia responder entrou a sua cunhada no quarto.
– Boa tarde, Marlene – cumprimentei.
– Oi – respondeu-me ela, como sempre de pouca conversa e foi-se para o quintal.
– Uma sonza – segredou Carla. Mas eu tou de oi viv ne melon. A Carla e a sua cunhada Marlene não se dão muito bem, é como quem diz, não se picam. Tudo porque a Carla antes reclamava do barulho do choro do filho dela mas depois foi a Marlene a dar-lhe o troco quando a filha dela nasceu.
– E então… – insisti – usaste ou não?
– O quê? Perguntou ela com ar de esquecida.
– Camisinha – sussurrei.
– Para quê? Nhô Morc não parece ter nenhuma doença. E depois ele já não consegue ter filhos. De certeza – justificou batendo com os ombros.
– Quase que tu és doida! – repliquei. – Pois eu, a minha primeira vez há-de ser especial e seguro.
– Seguro? Como assim “seguro”? – perguntou-me enquanto entregava-me uma toalha. – Não vais me dizer que irás tirar os três vinténs com camisinha, né?
– Mas é claro que vou – confessei-lhe ainda a limpar a cara com a toalha. Carla arregalou os olhos e pôs as mãos na cintura: – Agora quem está doida és tu – replicou – quando se perde a virgindade tem de ser um momento “carne a carne”. E com os indicadores no ar fez simbolicamente as aspas. Nada de plásticos – concluiu.
– Pois comigo vais ter de ser assim… e vamos parar com essa conversa porque a tua mãe está entrando.
– Boa tarde dona Mena. Está muito calor hoje não é? – fui logo dizendo.
– É! Mas já está quase boa noite – respondeu-me enquanto colocava a bolsa de compras em cima da mesa.
– Então até amanhã para vocês todas – e fui saindo.


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