Associações e lideranças na diáspora. Quem serve a emigração e quem “se serve” dela [texto de David Leite] | Dai Varela

19 de abril de 2013

Associações e lideranças na diáspora. Quem serve a emigração e quem “se serve” dela [texto de David Leite]


Está anunciado para 3 a 5 de maio, em Lisboa, o « 1° Encontro Internacional das Associações cabo-verdianas na Diáspora”. Que seja profíquo e traga pistas para melhor enfrentar os novos desafios de uma diáspora em transformação.


O Movimento Associativo Cabo-verdiano na Diáspora: que lideranças para o futuro e para os novos tempos”, tal é o lema escolhido para mais este forum alargado.

1. Lideranças e protagonismos 

Confesso que me surpreendeu esta temática. Ninguém me encomendou o sermão, mas como caboverdiano a lidar no dia-a-dia com a diáspora, o meu direito à opinião é
David Leite - diplomata
indissociável do dever de a partilhar para o bem comum. Aqui o faço. E em verdade vos digo, esperava uma abordagem que incidisse essencialmente sobre as reais preocupações e anseios dos nossos patrícios expatriados. Ora, não sendo a nossa diáspora alheia às angústias existenciais do fenómeno migratório; nem menos vulnerável aos problemas de integração e de sobrevivência nestes “novos tempos”; com os deserdados de fortuna condenados a partir em sentido contrário daqueles que vêm tomar de barato o pouco que lhes resta... vir falar de lideranças do (ou “para o”) movimento associativo pode parecer irrelevante!

É preciso, sim senhor, consolidar o movimento associativo, devendo este interagir com as comunidades, e simultaneamente com as autoridades (na terra-mãe e na terra-longe) em prol de uma melhor integração – e não só. So unindo forças é possível contornar os entraves que infelizmente ainda existem para uma larga franja da nossa gente emigrada. Para tanto tem contribuido muito boa gente, uns de boa-fé, outros nem por isso. Este Encontro deve ser de auto-crítica e reconhecer que muitos problemas no meio associativo, e na diáspora em geral, emanam precisamente de conflituosas lideranças sedentas de protagonismo e movidas por inconfessas ambições de poder. Quantos não procuraram impor-se como « guias » de direito « natural » ou político, passando por cima de patriotas igualmente motivados e activos, porém humildes ou politicamente irreverentes? Como se vê, o engajamento de cada um tem motivações dísparas e não meto todo o mundo no mesmo saco, ora essa! Aqueles que desinteressadamente serviram a diáspora saberão distinguir-se daqueles que « se serviram » dela.

2. « Desdoutorizar » o debate

Pensassem certos líderes e « doutores » da diáspora em falar com a emigração antes de falarem da emigração, e não andassem aos empurrões por lugares cativos à sombra de palmeiras que não plantaram…  talvez tivéssemos uma diáspora mais apaziguada para atacar os verdadeiros problemas que a afligem!
Não se trata aqui de mea culpa, mas um pouco de humildade seria bem-vista em “mais” este Primeiro Encontro! Salvo devido respeito, é tempo de « desdoutorizar » o debate… com menos retórica à portuguesa, e dando a palavra (também) àqueles que sofrem no dia-a-dia as agruras de uma emigração « ansiógena », com tendência a exacerbar-se nestes tempos de carestia nos países hóspedes. Esses também têm coisas a dizer.
Se este Encontro se realiza nesta perspectiva, ja é de louvar! Quando não, o lema escolhido (lideranças para a diáspora) deixa supor que se vai recapitular a matéria dada… a menos que tenha ficado alguma coisa por dizer nos anteriores colóquios, simpósios e mesas-redondas, porventura com diferentes enunciados. Pensava eu que o assunto ja fora passado a pente fino nos laboriososs ateliês (« workshops », soa mais chique) sobre as diversas temáticas da emigração. Para estarmos a rebater tanto na mesma tecla, é porque algo está a emperrar. Ou a água é muito mole ou a pedra é muito dura !
Desses precedentes encontros, é de saudar quem os concebeu e realizou : é a falar que a gente se entende, e numa nação diasporizada como a nossa o diálogo é pão para a boca. Só interagindo e criando sinergias podemos, senão quebrar a nossa sina de isolamento ilhéu, ao menos suavizar os efeitos deste exílio que a natureza madrasta nos impôs e o colonialismo acentuou com a sua soberba indiferença. Além de uns coffee-break, uns rega-bofes e uns retiros de confraternização, esses encontros permitiram tirar conclusões e emitir recomendações, tudo exarado em actas e comunicados.

3.      Balanço ou nova largada ?

Por esta nota de louvor terminaria, de bom grado, esta reflexão… se não pairasse no ar esta pergunta: que é feito das recomendações e declarações de intenção emanadas desses conclaves? Será o Encontro de Lisboa uma reunião de balanço ?
Ou será antes uma nova largada para uma diáspora interactiva? Os tempos são outros e o Povo das Ilhas deu passos de gigante. A abertura ao mundo e as novas tecnologias de informação aproximaram a terra-longe da terra-mãe, com ciber-convívios e intercâmbios diversos, hoje traduzidos em mais viagens nos dois sentidos. Acordos firmados com os países de acolhimento atestam de um maior reconhecimento dos nossos emigrantes, hoje com direito à dupla nacionalidade, contas bancárias bonificadas, incentivos ao retorno definitivo, atendimento digital nos balcões consulares…
E como soi dizer-se, mudam-se os tempos, mudam-se as vontades (entenda-se conceitos, objectivos, estratégias). É hora de repensar o movimento associativo, de adequá-lo à nova conjuntura, com novas visões de futuro. Viver com a sua época é continuar a ajudar os mais necessitados nas ilhas, mas numa nova visão de desenvolvimento solidário… sem miserabilismos, mas também sem dar trela àqueles que do alto da sua soberba olham com desprezo a mão estendida da diáspora. Viver com a sua época é não fechar os olhos a essa pobreza que certos « cabeçudos » das ilhas fingem não ver para não terem que assumi-la!
Sem exacerbados nacionalismos, é bom lembrar, neste Encontro, que a caboverdeanidade está em vias de se perder para as novas gerações. Tem-nos valido o providencial suporte da internet e das redes sociais, mas não basta; precisamos, quanto antes, de uma política cultural orientada para o resgate da nossa identidade além-mar... mas isto já é tema para outro debate.
Se o Povo das Ilhas foi à CAN-2013, e contra ventos e marés bateu Ciclopes e Adamastores,   é porque esteve unido como um so homem ! Hoje mais do que nunca, o Povo das Ilhas na terra-longe não quer ser excluido desta grande Nação Caboverdeana Diasporizada, agora em vias de ser alupekizada. Por isso o Povo das Ilhas na terra-longe gostaria de saber en ke xkolax da Amerika, Fransa, Olanda, Senegal ou Purtugal pode matrikular ux seux filhox para aprenderen u Alupec, aliax lingua kabuverdiana. Ken vai finansiar esax xkolax, ou entaun se izist alguma convensaun en vixta kon esex paizex para ke u Alupec seja inxkritu nux seux manuaix (ou nux seux kurikulux) xkolarex. Snaun manera k’un krixton ta fazê pa xkrevê un kartinha pa sis jent o p’un pikena la na Kab Verd sin da part d’ingnorant?
Prevejo que num encontro sobre lideranças se há-de falar do futuro Conselho das Comunidades Caboverdianas no Exterior : em que consiste, o que propõe, o que vai custar e o que dele se espera. Mil vezes anunciado e outras tantas adiado, este órgão consultivo leva, para não variar, o selo da controvérsia político-partidária : « mnine pdid » para uns, para outros « mnine escolhid » (e como tal objecto de desconfiança), quem sabe o debate seja mais sereno neste Encontro do que o foi na Assembleia Nacional... se os doutos congressistas deixarem as suas divergências partidárias nos vestiários.

4.      « Habemus difficultates »

Não sei se haverá fumo branco no fim deste conclave, ou alguma proclamação importante... mas sei que não é possível dissociar a temática das lideranças das reais dificuldades da nossa gente na terra-longe, seus anseios e aspirações. Nenhum debate escapa a essa abordagem porque conversa puxa conversa e uma coisa implica outra... mas cada coisa a seu tempo: resta esperar que em futuros encontros sejam passadas em revista essas reais e legítimas preocupações, que aliás não se esgotam nas dificuldades de integração e nos eternos problemas de documentação, de retorno compulsivo (recondução à fronteira)...
Aqueles que por vontade própria optam pelo regresso definitivo, decerto gostariam de saber como melhor se reintegrar nas ilhas, rentabilizar o seu capital e, porque não, criar empregos; os portadores de projectos de desenvolvimento solidário, de serem orientados e apoiados para melhor apoiar os mais necessitados. Um futuro encontro da diáspora poderia inscrever na sua ordem-do-dia os diversos acordos e convenções firmados com a União Europeia ou, a nível bilateral, com países amigos, em regime de reciprocidade ou de ajuda pública ao desenvolvimento. Tais acordos são ignorados do grande público, na diáspora e não só.
Também não seria tempo perdido alertar para o perigo de os nossos emigrantes virarem as costas aos nossos bancos, não por capricho ou birra mas porque as suas poupanças (que em tempos idos chegaram a vencer 12,5 por cento) se aproximam hoje dos juros que podem render no país onde residem. Conjuntura internacional, dirão os entendidos em matéria financeira, et pour cause! Resta o tabu de como engordou a nossa banca que nem gote de Manê-Jom qu’ingordá na gêmada na temp de caniquinha! E de como uma massa monetária de incógnitas origens esmagou as poupanças dos nossos honestos e laboriosos emigrantes (me desculpem aqueles que não gostam desta palavra, mas quem não quer ser “emigrante” não  emigra!)
Por razões óbvias, as missões diplomáticas e consulares virão à baila em qualquer congresso da diáspora. Faça-se também um apanhado do desempenho dos ilustres deputados eleitos pelas Américas, Africa, Europa-e-Resto-do-Mundo. Um balanço em termos de custo/rendimento não seria vitupério, porque os deputados custam caro, e os da diáspora mais ainda.

Mantenhas da Terra-Longe, 8 de abril de 2013
David Leite
(modestoleite@facebook.com)


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