Hamilton Jair Fernandes, Director da Salvaguarda do Património, explica as razões para a escolha do Mindelo como Património Nacional. E os benefícios e consequências desta atribuição e o porquê de ela só acontecer agora.
Mindelo, a par de Cidade Velha (1990) e Tarrafal de Santiago (2006) e Ribeira Brava (2010) é o mais recente burgo de Cabo Verde a ser declarado Património Nacional. Isso aconteceu no domingo passado, dia 22 de Janeiro, dia de São Vicente.
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Área de Mindelo a ser delimitada como Património Nacional |
Embora seja um dos primeiros centros urbanos a despertar para o fenómeno, com trabalhos neste domínio desde 1982, a cidade do Mindelo, mais precisamente o seu Centro Histórico ou “Morada”, só agora recebe esta distinção. Para o Director da Salvaguarda do Património, “o caso talvez não fosse devido às condições que não estavam reunidas mas porque as prioridades na altura terão sido outras”.
Igualmente, “este é um processo administrativo”, justifica, “e em circunstâncias normais deverá ser a sociedade civil ou Câmara Municipal a propor para que seja apreciado pelo Ministério da Cultura, através do Instituto do Património”. Coisa que, ao que tudo indica, nunca aconteceu.
De se referir que o primeiro inventário cientificamente conduzido e relatado sobre a cidade do Monte Cara é o dossiê “Linhas Gerais de Desenvolvimento Urbano do Mindelo”, publicado em 1982, no que se seguiram novos registos. O documento inicial contém um registo exaustivo de todos os edifícios de interesse construídos no Mindelo, mas, ao que tudo indica, esse é um trabalho não teve prosseguimento.
“Acreditamos que não é tarde”, responde Hamilton Fernandes que fala na preocupação de acelerar este processo por dois motivos. “Primeiro, para evitar a descaracterização das nossas cidades; e segundo, para conseguir dotar as Câmaras Municipais e outras instituições que tutelam a ordenação do território e gestão dos espaços urbanos com um instrumento de gestão do território”.
Consequências
Uma das consequências da elevação do Mindelo a Património Nacional será a elaboração de um Plano de Salvaguarda, um instrumento que irá conter um inventário exaustivo de todos os imóveis com interesse patrimonial. As condições para tal serão a arquitectura ou traços artísticos, o facto de alguma pessoa de destaque social ou cultural da cidade tenha morado nele ou então que tenha sido espaço de memória de certos acontecimentos.
Outro item do plano é a normativa das construções no Centro Histórico com o objectivo de preservar a harmonia arquitectónica dos espaços.
“Tendo em conta um certo crescimento urbanístico, algumas cidades acabaram por perder suas características e sua essência histórica e cultural e Mindelo é um exemplo disso”, refere esse director que cita também a zona do Platô, na cidade da Praia, e o “miolo” da cidade de São Filipe, ilha do Fogo, como exemplos de locais que sofreram problemas.
Benefícios para Mindelo
Em termos urbanísticos e paisagísticos, o Plano de Salvaguarda será “um instrumento que apoia e monitoriza” a gestão do espaço urbano, garante Hamilton Fernandes. “No plano social teremos uma melhoria das condições de vida da população porque com a regulamentação dos espaços teremos melhor habitabilidade e uma valorização da história local em termos identitário”.
Outro aspecto que espera ter um “aumento exponencial” é a nível do turismo porque “Morada” será “particular” em relação às outras cidades de Cabo Verde. Em termos científicos e académicos, Fernandes espera que Mindelo venha a tornar-se num objecto de estudo por parte de investigadores e academias nacionais e estrangeiros, como uma cidade-projecto no campo arquitectónico, histórico, paisagístico, arqueológico e social.
Obrigações do Estado
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Hamilton Jair Fernandes - Director da Salvaguarda do Património |
A própria lei prevê situações em que um proprietário não tenha condições de reabilitar um edifício. “Nestes casos”, explica o entrevistado do A NAÇÃO, “se o edifício tem todas as condições para ser declarado património nacional ou municipal, ela continua a ser da propriedade do seu dono mas a gestão será partilhada com o Estado. Isto implica que o Estado tem a obrigação de co-financiar projectos de reabilitação e restauro do edifício”.
E, nos casos onde haja conflitos de interesses com os proprietários, o edifício pode ser expropriado para salvaguardar o interesse da colectividade.
Com esta classificação de Património Nacional do Centro Histórico do Mindelo, feita através da lei de Base do Património Cultural (lei 02/III/90 de 29 de Dezembro), o Estado será obrigado legalmente a preservar e valorizar o seu património cultural. Por outro lado, a Câmara Municipal terá o dever de cuidar desse legado na sua área de jurisdição enquanto aos cidadãos é requerido que velem por essa herança cultural.
A sociedade civil também é chamada a actuar e neste item Hamilton Fernandes elogia “um certo dinamismo social e pró-actividade” dos mindelenses. “Temos o exemplo da demolição da casa do Dr. Adriano Duarte Silva com reacção social da sociedade civil organizada. O mesmo aconteceu com o cinema Edén Park, o Café Royal ou o Fortim d’el Rei. Isto faz-nos constatar que os são-vicentinos dão grande valor aos espaços de memória e que são vistos como património”, afirma, sem deixar de reconhecer também que o grande desafio começa agora com a criação do Plano de Salvaguarda da cidade do Mindelo que ainda não tem data para ser apresentado.
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