Filme 'Verdade ou Mentira': Análise com base na Lei Caboverdeana | Dai Varela

10 de setembro de 2010

Filme 'Verdade ou Mentira': Análise com base na Lei Caboverdeana

SHATTERED GLASS
Análise com base na Legislação Caboverdeana

Universidade Lusófona Baltasar Lopes da Silva Cabo Verde
Licenciatura em Ciências da Comunicação
Direito para Comunicação Social
Docente: Vânia Medina
Discente: Odair Varela
Mindelo, 30 de Junho de 2010



“Are you mad at me?” – Stephen Glass


Shattered Glass – Análise com base na Legislação Caboverdeana
Se de louco e de génio todos temos um pouco, eu de crítico cinematográfico tenho muito menos do que isso. Talvez seja por isso que a minha apreciação ao filme possa fugir um pouco à análise padrão. Procurei encontrar dentro do filme, pontos de comparação com a actividade que decidi abraçar. São as semelhanças (não na parte de falsificação de dados) e diferenças no jornalismo praticado que procurei abordar neste artigo.
As diferenças não estão tanto na essência do jornalismo representado no filme e o jornalismo caboverdeano, pois que ele continua sendo uma recolha e tratamento da informação para a posterior divulgação, mas sim nos vários canais de filtragem, verificação, revisão (censura?) que nos é apresentado em Shattered Glass. Esses mecanismos de verificação eram-me desconhecidos e na minha percepção são inviáveis no jornalismo em linha devido à velocidade de actualização dos dados, exigência dos novos tempos.


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Shattered Glass – o Argumento
Este filme baseia-se em factos reais, narrando a história do jornalista Stephen Glass, interpretado por Hayden Christensen. Era um jovem escritor de 24 anos quando começou a trabalhar na revista “The New Republic”. Aí permaneceu durante três anos, entre 1995 e 1998. Entrou como um simples estagiário e rapidamente se transformou num dos seus mais brilhantes cronistas, com artigos de fundo e fruto de uma investigação sobre os mais variados temas da actualidade. Mas a veracidade de uma das suas reportagens foi um dia posta em causa. Iniciou-se um processo e descobriu-se que 27 dos 41 artigos que publicara eram falsos, quer na sua totalidade, quer parcialmente. Alguns eram mesmo completamente inventados. O choque foi grande… A Aldeia



“Eles não querem ouvir o discurso de responsabilidade jornalística. Só querem saber como publicar seus artigos, não é?” – Stephen Glass
Foi uma excitação enorme quando estava a espera que o meu primeiro artigo fosse publicado. Devo confessar que ele foi retocado pelo editor, tomou outra configuração (não outro rumo), mas mesmo assim sentia-o como meu. Tinha meu nome como autor e isso bastava-me para dizer, cheio de orgulho: o meu primeiro artigo foi publicado num jornal.
Isso da responsabilidade jornalística era algo que (ainda) não tinha assimilado. Confesso também que este conceito não me foi ensinado (ainda) nos bancos da Universidade. Apreendi-o da forma mas dura: errando. O jornalismo em linha tem essa de faca de dois gumes: se por um lado podemos rectificar – quantas vezes forem necessárias - o nosso erro, por outro lado, quando erramos, as reacções podem ser instantâneas. Esse acto de rectificar a informação é um dever assinalado no Artigo 13º i) do Estatuto do Jornalista: “Promover a pronta rectificação de informação que haja publicado e se revelem falsas ou inexactas.”
O que acontece é que muitas vezes, devido à rapidez em se colocar a informação e, também, quando se escreve e faz-se a revisão do próprio texto, alguns erros subtis podem passar despercebidos. Mas quando são vistos por centenas de pares de olhos, ela é detectada e apontada de imediato.

“Não podem ser jornalistas sem entender como um artigo é editado numa grande revista. São três dias de tortura. Se o artigo é bom, só poderá melhorar. Se for tremido, tem uma longa semana para trabalharem nele.
Uma história chega e vai para o editor sénior. Ele ou ela edita-o no computador e chama o redactor para fazer as revisões. Depois vai para outro editor, e o redactor revisa de novo. Então, todos os factos são confirmados: todas as datas, títulos, lugares ou afirmações são verificadas, depois vai para outro editor que volta a analisar tudo de novo. Então, os advogados aplicam o ónus da prova. Depois, a produção faz as colunas e digita. Então, volta ao redactor e ao editor, agora em papel, volta ao primeiro e segundo editor, depois para aquele que confirma os factos, ao redactor e à produção novamente. Os advogados lêem e relêem tudo, procurando por problemas, coisas não provadas.
Quando estão satisfeitas, as páginas são reimpressas e recomeça o ciclo. Do editor, a pessoa que confirma os factos, todos passam por tudo de novo por uma última vez.” – Stephen Glass


Todo esse processo só é possível num semanário – ou outro tipo de publicação que não seja diário, muito menos nos jornais em linha com as suas actualizações constantes. Mesmo não conhecendo o processo que uma notícia leva até ser imprensa nos semanários nacionais, considero altamente improvável que ele percorra todo esse caminho.
Com as redacções cada vez com menos gente, o trabalho de revisão fica a cargo do editor (e do revisor ortográfico do MS Word) e a confirmação dos dados a cargo do próprio jornalista. Outra consequência do jornalismo electrónico é que já não é preciso ter um escritório onde se reúnem todos os funcionários, pelo que novamente este processo torna-se inviável.

“Agora, a maioria de vocês vai começar como estagiário e estagiários fazem muito do trabalho de confirmação dos factos, por isso prestem atenção. Há um problema no sistema de confirmação dos factos. Um grande problema: os factos podem ser confirmados com qualquer fonte, mas em alguns artigos a única fonte é as anotações fornecidas pelo próprio jornalista.” – Stephen Glass
Pode-se constatar que muito do trabalho jornalístico é feito por estagiários. Na realidade caboverdeana, muito desse trabalho é feito por pessoas sem a devida qualificação (diploma universitário), o que vai contra o exposto no Artigo 5º do Estatuto do Jornalista, “Podem ser jornalistas profissionais os cidadãos maiores, no pleno gozo dos direitos civis e habilitados com formação específica na área de jornalismo oficialmente reconhecida.”

Hoje em dia a realidade do jornalismo caboverdeano tende a modificar-se com a entrada dos portais e jornais electrónicos na cena mediática. Estes, por serem elementos dinâmicos, precisam estar sempre com actualizações para não serem considerados estáticos, sem novidades. Para manterem-se constantemente com coisas novas, os media precisam de repórteres e correspondentes nos vários pontos do país. Um dos problemas é que não existe tanta mão-de-obra especializada (com formação académica) e nem todos os concelhos/ilhas oferecem atractividade suficiente para o jornalista estabelecer-se. A melhor forma que as empresas de Comunicação Social encontraram para contornar este obstáculo é a não assinatura dos textos publicados, em se tratando de portais e jornais online e impressos. As empresas que mantêm essas pessoas trabalhando na área do jornalismo não têm um vínculo contratual com elas. Não tendo essa ligação, não é possível aplicar o disposto no n.º 2 do Artigo 6º do Estatuto do Jornalista: “Nenhum órgão de comunicação social, empresa jornalística ou de comunicação social pode admitir, ou manter ao seu serviço como jornalista, quem não se encontre habilitado com o respectivo titulo.”
De notar que se um órgão contratar uma pessoa somente para fazer a correcção dos textos, ela será considerada como jornalista à luz do Artigo 3º do Estatuto do Jornalista que diz que quem faz “a correcção ou coordenação de matéria a ser divulgada na comunicação social” está exercendo funções de natureza jornalística.
Outra razão para que pessoas sem habilitação continuem a exercer o papel de jornalistas é a falta de fiscalização dos órgãos competentes. Nem o Concelho da Comunicação Social, nem a Comissão de Carteira dos Jornalistas e nem a Associação dos Jornalistas de Cabo Verde exercem inspecção nas empresas de Comunicação Social para averiguar se existem jornalistas (com ou sem contrato) que exercem sem o respectivo título.


“Um bom editor defende os seus redactores de todos. Ele luta por nós.” – Stephen Glass
O jornalismo electrónico tem uma particularidade. Diferentemente dos jornais impressos, rádio e TV em que se critica muitas vezes após o efeito da informação, usando, por exemplo, a garantia do direito de resposta consagrado no Artigo 18º da Lei de Comunicação Social, nos jornais em linha pode-se criticar o artigo no momento. Pode-se mesmo criticá-lo quantas vezes nos apetecer, pois permanecerá disponível por tempo indeterminado.
Aprendi que no jornalismo, pode-se fazer 99 bons artigos, mas se o de 100 contiver algum erro, para o leitor (ouvinte, telespectador) você não presta como jornalista. Neste momento é bom ter um editor que nos defenda. Passo a ilustrar com um caso que ocorreu comigo quando fazia a cobertura do Campeonato Regional de Futebol de São Vicente para o jornal electrónico NhaTerra Online. O texto encontra-se agora corrigido mas na altura continha a incorrecta informação sobre o treinador da equipa do Ribeira Bote e que foi prontamente notada e apontada pelos leitores:


SV (1ª Divisão): Mindelense x Ribeira Bote é o jogo grande deste sábado                  

Escrito por Odair Varela          
04-Mar-2010       
A  somente um ponto dos dois da frente (Académica e Derby), o Mindelense entra em campo no primeiro jogo de sábado (6 de Março) com a possibilidade de ascender, a condição, a posição de líder do Campeonato Regional de Futebol de São Vicente.

Para isso só tem que vencer a frágil equipa do Ribeira Bote que não consegue encontrar-se, apesar da convicção do seu presidente, Vlú, de que conseguirão fugir à despromoção para a segunda divisão nesta última volta.

Surpresas acontecem no futebol e pode ser desta que a equipa da Zona Libertada consiga o seu primeiro ponto, frente aos encarnados treinados por Luís Oliveira (Baessa) e que tem no ponta-de-lança Kadú um dos seus maiores trunfos. O jogador lidera a lista dos melhores marcadores com nove golos marcados até agora.

No segundo jogo da tarde defronta-se um Derby tacticamente bem organizado pelo técnico Alberto Gomes e que ainda não sabe o que é perder, contra um Salamansa treinado por Ivraldino Borges (Tatane), que combate ferozmente para manter-se no primeiro escalão de futebol.

Para a 9ª jornada do Campeonato de Futebol, jogam no domingo (7 de Março) o Falcões X Batuque (14 horas) e Amarante X Académica (16 horas).     

Eurico Paradise é treinador de Falcões n
Escrito por Comentador, em 04-03-2010 16:46
Ahh Xuster!! A bo temp no Nha Terra On line! Tal como eu tinha dito antes, un vez Nha Terra On line era a bíblia do futebol de S.Vicente. Hoje está cheio de gralhas que não dá para confiar no que escrevem. Quem é o treinador de Ribeira Bote? Eurico Paradise? Não me parece.

ERRAMOS
Escrito por NHA TERRA ONLINE , em 04-03-2010 18:50
Obrigada pelo apoio - Stephen Glass
Admitimos o nosso erro e agradecemos pelo reparo. Erros acontecem em todos os jornais do mundo, principalmente nos onlines onde a rapidez que exige faz com que a gente erre.  
Isso não tira o brilho do EXCELENTE trabalho que o Odair Varela está a fazer, pois como humano ele também erra e se ele errar a responsabilidade maior é do editor (Marcos Fonseca).  
O importante é corrigirmos o erro.




É isso que os editores fazem - Michael Kelly
Mesmo não sendo o autor do texto, o editor toma a responsabilidade do erro pois é seu dever moral perante o jornal. Nota-se que só se pode comprometer o editor se a matéria não for assinada, conforme o Artigo 59º da Lei da Comunicação Social que fala sobre a responsabilidade do editor, “Não há responsabilidade criminal do editor quando for possível determinar quem é o autor da publicação”. 




“Tem que saber para quem está escrevendo. Qual a sua especialidade. O jornalismo é a arte de captar comportamentos. Eu escrevo actos. Descubro o que provoca, o que assusta as pessoas e escrevo isso. Assim são eles que contam a história.” – Stephen Glass
A meu ver, o que tornou possível a Glass escrever tantas histórias falsas e ter tanto sucesso foi que ele sabia “observar o mundo”. Escrevia textos aparentemente com interesse público, mas que na verdade eram do interesse do público. Isso atraia mais audiência e gerava lucros à empresa.

“Há questões políticas a serem consideradas aqui (...) não sei se a revista sobreviveria, no fim das contas ” – Advogado da The New Republic
Talvez com outro editor o desfecho da trama teria sido diferente. Mas ele encontrou um que levava a sério o seu dever de informar e a sua função de contribuir “para a correcta formação da opinião pública”, Artigo 5º da Lei da Comunicação Social. O editor, usando os mecanismos de auto regulação existentes no jornalismo, no caso, a Liberdade de Consciência e os Princípios Éticos e Código Deontológico colocou fim a uma carreira de um jovem promissor e talentoso, mas que não se regia pelos princípios éticos do jornalismo.  

“Agora quem vai contratar-me?” – Stephen Glass
Stephen Glass
Uma vez perdida a credibilidade como jornalista perante o público, não há como sobreviver neste ofício. O jornalismo é uma profissão em que a confiança da Opinião Pública nas informações veiculadas é fundamental, pelo que os órgãos de Comunicação Social e o jornalista em particular devem zelar para mantê-la a todo o custo. Quer procurando garantir uma informação “isenta, objectiva e com verdade”, Artigo 4º da Lei da Comunicação Social, quer procurando uma maior credibilização da informação prestada, recorrendo a pluralidade de fontes ao, “comprovar a verdade dos factos e ouvir as partes interessadas”, como diz o Artigo 13º do Estatuto do Jornalista.  


Bibliografia
LEI DA COMUNICAÇÃO SOCIAL - Lei nº 56/V/98
ESTATUTO DO JORNALISTA - Lei nº 59/V/98
CONSELHO DA COMUNICAÇÃO SOCIAL - Lei nº 91/III/90
Filme Shattered Glass. Retirado do site em 28 de Junho de 2010.
SV (1ª Divisão): Mindelense x Ribeira Bote é o jogo grande deste sábado disponível em . Retirado em 28 de Junho de 2010.

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