Condicionamento cultural crioulo (ou a velha estória badio e sampadjudo) | Dai Varela

21 de setembro de 2014

Condicionamento cultural crioulo (ou a velha estória badio e sampadjudo)


Numa das minhas viagens à cidade da Praia tive aquela inevitável discussão sobre “sampadjudo” (neste caso entendido como pessoas na ilha de São Vicente) e “badio” (pessoas na ilha de Santiago). Um jovem me dizia que as gentes de São Vicente não gostam disto mas por outro lado gostam daquilo. A meio da conversa pergunto-lhe se já esteve em São Vicente e me diz que não. “Mas todos sabem disso”, sentenciou.

Sei que este comportamento não é somente dele. Existem pessoas em São Vicente com pré-conceitos e estereótipos do “badio” sem nunca ter estado na ilha de Santiago. Nesta situação fica difícil ver o mundo através das lentes do “outro”. Entretanto, como é que o badio constrói a imagem do sampadjudo e vice-versa? Que contactos são esses para a construção da realidade? A elaboração será feita através do convívio directo com uns poucos amigos próximos e a observação distante e fugaz de outros tantos? 

O nosso conceito cultural também pode ser criado ou reforçado através de anedotas ditas “inocentes” que retratam o outro de forma negativa. Na infância e adolescência, quando ainda mal saímos da nossa zona de conforto, é que se começa a criar a realidade exterior através da transmissão de crenças e valores pela oralidade e informalidade. Há alguns anos, aquilo que o sampadjudo conhecia do badio (e vice-versa) era obtido através do discurso oral de quem tinha convivido com o “outro” e feito seu julgamento conforme sua experiência (boa ou má) e que depois iria criar a realidade daquele que não teve a oportunidade de observar in loco para tirar suas próprias conclusões. Até pode ser que ao amadurecermos possamos procurar subsídios em outras fontes para enriquecer a nossa visão. Contudo, a verdade é que nos primeiros anos da descoberta a formação do outro desse nosso longinquamente perto se faz através da oralidade e dos meios de comunicação social, em especial, da televisão.

O problema que se coloca é que conhecer a realidade do outro através dos mídias é tomar a parte pelo todo. E isto se aplica, principalmente, nas notícias de carácter negativo. Um artigo de um crime de faca na ilha de Santiago tem a tendência de gerar comentários de que o badio é violento e gosta de agredir com faca. É nestes casos que se toma a parte pelo todo e generaliza-se de forma a construir uma imagem individualizante de um conjunto de pessoas. Por outro lado, uma informação de que se realiza uma festa ou festival na ilha de São Vicente tende a gerar comentários de que nesta ilha só se preocupa com paródia e não com o trabalho (novamente se toma a parte pelo todo). Mas porquê fazemos isso? Ao que parece o processo individualizante tende a ser mais fácil ao nível cognitivo e comunicativo. Isto, apesar da individualização ser feita no plural. 

As nossas cidades são feitas de micro-culturas que têm os fundamentos nas famílias, nos círculos de amigos das zonas, no urbano e no rural, na ilha, na região, Cabo Verde e depois África/Europa. Cada um desses círculos tem uma influência cultural na forma como construímos a nossa realidade social e a percepção do outro. Cada um dá seu input que é analisado e assimilado conforme as circunstâncias e as conveniências. Sabemos que o Homem é um ser social que ao receber as influências da sociedade torna-se ele próprio uma micro-sociedade. Esta estará carregada de crenças, valores, costumes, pré-conceitos, todos eles elementos da própria sociedade. E se este comporta todos esses elementos da sociedade, significa que ele próprio é uma micro-sociedade. Os pré-conceitos da nossa sociedade serão, então, um somatório de pré-conceitos dos milhares de micro-sociedades que somos nós, habitantes de Cabo Verde.

Desta forma, pode-se depreender que para se diminuir os pré-conceitos e estereótipos do outro na nossa sociedade é necessário confrontar a nossa própria micro-sociedade. Avaliar o que conhecemos do outro e de onde vieram essas informações e o porquê as aceitamos como verdadeiras. O somatório da melhoria das nossas percepções e atitudes irá se revelar como uma melhoria da própria sociedade em Cabo Verde.


  1. É caso para dizer "não preciso comer couve-flor para saber que não gosto". A verdade é que os dois vivem com ciúmes um do outro e para aumentar a sua auto-estima, balizam-se em mediocrizar ou pegar num ponto menos bom para fazer a discriminação. Festas, facadas, urras, existem em todo o lado: na sampadjudo e badio ka tem diferença. Agora falta colocar isso na cabeça de cada um.

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