Pescador ou Legislador: Quem tem menos consciência ambiental? | Dai Varela

8 de janeiro de 2012

Pescador ou Legislador: Quem tem menos consciência ambiental?

O ambiente caboverdeano e sua biodiversidade é uma área transversal em todos os projectos de desenvolvimento de Cabo Verde mas, infelizmente, é também aquele mais mal conhecido, divulgado e fiscalizado. Mas há que ter consciência que existe duas realidades: uma do legislador que se encontra na cidade e outra bem diferente do comum cidadão das comunidades locais. Entretanto, quando se pensava que o indivíduo menos sensibilizado para as questões ambientais seria, por exemplo, o pescador eis que ele nos surpreende. Na sua simplicidade de homem do mar e, apesar das dificuldades para conseguir o sustento, luta pela conservação de outras espécies. 

Este pescador que tem dificuldades em conservar a sua própria espécie faz vigília nas praias para evitar o roubo de ovos e matança das tartarugas, decide parar de caçar cagarras nos ilhéus. Cria associações que recebem prémios internacionais pelo seu papel na conservação das tartarugas, como é o caso da Associação Comunitária Nova Experiência Marítima da Cruzinha (Santo Antão). E o que faz o legislador? 

Estabelece regimes jurídicos como o Decreto-lei N.º 29/2006 que dispensa a Avaliação do Impacto Ambiental (AIA) dos projectos susceptíveis de produzirem efeitos no ambiente e decreta que “em casos excepcionais e devidamente fundamentados, um projecto específico, público ou privado, pode, por despacho do membro do Governo responsável da área do Ambiente, ser dispensado AIA”. 

Claro que não se espera que na construção de todo e qualquer pequeno empreendimento seja necessário uma AIA, mas até que ponto este subterfúgio está sendo usado para validar iniciativas que estão a mostrarem-se nocivos para Cabo Verde? É nesta questão que vários especialistas alertam que é necessário reforçar e melhorar o quadro jurídico num país com deficiente capacidade de fiscalização como o nosso. 

Mas é preciso coragem para planear e ordenar o território de forma compatível com os objectivos da conservação. É preciso coragem e visão para impedir a construção de um gigantesco hotel num determinado local quando se sabe que este provocará a destruição das dunas e a não re-alimentação das praias com areia e com isso comprometer-se o futuro do próprio turismo numa ilha ou país. 

Há certas acções em Cabo Verde que fazem lembrar o ditado “arranjar com as mãos e estragar com os pés”. Só assim se entende que façamos campanha para sensibilizar comunidades locais para protegerem as tartarugas e por outro lado constroem-se empreendimentos gigantescos na Boa Vista e Sal que provocam a diminuição da nidificação destas mesmas tartarugas. 

Só assim se entende que constrói-se a estrada asfaltada Baía-Calhau [São Vicente] que dá acesso a lindas praias e vulcões extintos e ao mesmo tempo a extracção de jorra nesses mesmos vulcões não é controlada e corre-se o risco de perder-se esse património ambiental e turístico. 

Na área empresarial é preciso criar a responsabilidade social das empresas, seja de forma voluntária ou por contrato. Empresas de telecomunicações que noticiam um parque de contratos de telemóveis com números superiores a 300 mil assinaturas têm que, necessariamente, estar envolvidas na procura de soluções no momento de descartar esses telemóveis com suas baterias altamente poluentes. 

Responsabilidade social também para os comerciantes chineses que importam milhares de toneladas de materiais plásticos anualmente num país onde a eliminação do lixo é feita através de incêndios a céu aberto ou aterro, que são outras formas de agressão ao nosso meio ambiente. Idem aspa para os barcos chineses que estão na CABNAVE e que volta e meia derramam óleos poluentes na praia da Laginha, no Mindelo. Idem aspa para vários outros casos. 

Se, inicialmente, a administração dos recursos naturais era feita pelas comunidades locais, hoje conheceu uma grande mudança e agora estão sob a tutela de novos actores de gestão ambiental como corporações económicas, proprietários locais ou o Estado. A grande questão é até que ponto isto melhorou a qualidade de vida dessas localidades. 

Por isso que como cidadãos temos que estar conscientes do papel e desafios do ambiente para um desenvolvimento económico e social sustentável. Mas esta sustentabilidade só é conseguida trabalhando com as comunidades locais no presente sempre com visão nas gerações futuras e apostando na cidadania ambiental. É ver o ambiente como uma oportunidade de recurso que pode ser gerida pela comunidade local e não como um constrangimento. 

Uma das grandes apostas para melhorar este cenário é tornar o jornalista num sujeito actuante na resolução da problemática ambiental, incentivando para a criação de uma estratégia de comunicação que traga temas ambientais para as primeiras páginas dos noticiários. Porque, um jornalista com “paixão ambiental” estará na linha da frente para reportar, por exemplo, casos de apanha da areia e construção de edifícios na orla marítima, causadores de grandes impactos no ambiente e, consequentemente, na economia. 

Ao contrário do que possa parecer, esta não é uma crónica ambiental mas sim económica e política. Não é um discurso de conservador mas sim de consumidor que encara o “Capital Natural” como condição prévia de crescimento económico e social de Cabo Verde. 







  1. Excelente texto meu caro.

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  2. Turismo sustentável em Cabo Verde9 de janeiro de 2012 às 09:17

    O que mais preocupa é o Decreto-lei N.º 29/2006 que dispensa a Avaliação do Impacto Ambiental (AIA) dos projectos susceptíveis de produzirem efeitos no ambiente e decreta que “em casos excepcionais e devidamente fundamentados, um projecto específico, público ou privado, pode, por despacho do membro do Governo responsável da área do Ambiente, ser dispensado AIA”.

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